terça-feira, 4 de novembro de 2008

Artigo sobre o filme "Nome de Família"


O presente artigo pretende mostrar uma relação entre o filme Nome de Família e o desejo de um sujeito. O desejo e os valores de um sujeito são indestrutíveis. Somos constituídos pelo desejo do Outro, buscamos sempre satisfazer a está pulsão e procuramos evitar o desprazer. Iremos articular no desenvolver deste trabalho o caso de Ashima, protagonista do filme , a partir da abordagem psicanalítica.

Com direção de Mira Nair o filme Nome de Família conta a história de Ashoke (Irfan Khan) e Ashima (Tabu), eles são jovens indianos que têm seu casamento organizado, seguindo as tradições culturais. Eles deixam Calcutá rumo à Nova York, onde iniciam uma nova vida e se conhecem melhor.

Logo eles têm um filho, Gogol (Kal Penn), nome dado em homenagem ao famoso autor russo. Ao crescer Gogol passa a buscar sua própria identidade, tendo que lidar com as tradições de sua família e seu direito de nascença americano. Ele passa a rejeitar seu próprio nome e se afasta cada vez mais das tradições da família.

No início do filme vemos uma cena em que Ashoke viajava em um trem, ele queria ler um livro, mas outro passageiro conversava com ele. Esse passageiro dizia que se fosse jovem como ele iria para os Estados Unidos para ser livre, ele falava de seu desejo, mas Ashima diz que é livre lendo sem precisar sair do lugar. É quando acontece um acidente, e a partir daí a vida de Ashima muda completamente.

Somos constituídos pelo desejo do outro. Segundo Laplanche e Pontalis (2001), Vocabulário da Psicanálise, a definição de desejo está relacionada à vivência de satisfação. Na concepção freudiana é um dos pólos do conflito defensivo.
O desejo inconsciente tende a realizar-se restabelecendo, segundo as leis do processo primário, os sinais ligados às primeiras vivências de satisfação. A psicanálise mostrou, no modelo do sonho, como o desejo se encontra nos sintomas sob a forma de compromisso. (LAPLANCHE, 2001, p.113)

De acordo com Freud (1900), o sonho é a escrita que pede para ser decifrada. Ao relatar seu sonho, o sujeito faz sua elaboração ordenada pela linguagem que é sempre falha e é esta falha que mantém o desejo como desejo. O sujeito inventa a palavra para dar estatuto a seu desejo para além da necessidade.
A posição desejante se origina na insatisfação da demanda, o sujeito a procura do objeto de completude, demandando reproduzir a satisfação original para sempre perdida. Dessa forma, Freud (1900) introduz um novo saber sobre o sujeito, confirmando a existência de processos mentais, fora da consciência, que interfere na vida e nos atos do sujeito sem que ele saiba.
Já Lacan (1957-1958) apresenta o desejo como produto da falta originária da castração, processo em que o sujeito elabora a metáfora do pai, é introduzido à lei e à simbolização. É a perda, a falha. O falo será o objeto de desejo que o sujeito busca ter.
Ainda Lacan (1957-1958) descreve o desejo como sendo falta de, interdição. O desejo do sujeito só se constitui em relação ao Outro, a partir do momento em que ele se reconhece na falta do Outro através do falo (tê-lo ou sê-lo). O Outro se torna marcado pelo significante da falta, é castrado. Portanto, em Lacan, o falo é o significante da falta, do desejo.
Ashima é uma mulher, e como toda mulher é um ser que tem em sua essência estrutural a prevalência de uma falta, a mulher utiliza-se de um véu para construir um enigma. Durante a castração caberá a menina escolher um caminho onde seu desejo será ao longo do tempo uma busca sem fim.
Segundo ANDRE (1987), o falo e a castração não mais se colocam como obstáculos à feminilidade, mas, ao contrário, como as condições para toda a feminilidade possível. Freud faz da inveja do pênis o termo insuperável da análise de uma mulher.
Na primeira cena de Ashima no filme a vemos cantando, que era o que ela mais gostava de fazer. Quando vai para casa é informada que tem mais um pretendente a noivo a esperando. Antes de entrar na sala onde ele a esperava, ela vê o sapato do mesmo e o experimenta, parece ficar impressionada com os sapatos que são americanos.

Para se casar com Ashoke ela abre mão de sua vida, que era sua música, sua família e seus costumes. Ela aceita ir para um país estranho com uma cultura totalmente diferente da dela para morar com um homem que ela mal conhecia. Ashoke apesar de já morar nos Estados Unidos, voltou ao seu país para se casar com uma indiana para continuar mantendo suas tradições, apesar de morar numa cultura diferente.

De acordo com Lacan (citado por Soler, 1998) [1], para situar a diferença homem-mulher, ele propõe distinguir o homem como aquele que tem o falo, e a mulher como aquela que o é. Ou seja, Ashima entrou na relação como objeto e Ashoke como sujeito.

Quando chega aos Estados Unidos, tudo é muito novo e diferente para Ashima, isso parece a deixar assustada e muito angustiada. Ela se vê longe de sua família e de seus costumes.
Pelo fato de sermos sujeitos desejantes caímos em contradição com as normas e valores que a sociedade nos impõe, causando um grande mal estar. Dependendo da escolha podem surgir sintomas agravantes e até comprometer a saúde do indivíduo. Tornamos um sujeito dividido entre o desejo e os valores. Isto irá depender da escolha que cada sujeito faz. Em toda escolha existe um sofrimento, um certo desamparo.

De acordo com Laplanche (2001), desamparo é um termo da linguagem comum que assume um sentido específico na teoria freudiana. O bebê depende inteiramente de alguém para a satisfação de suas necessidades básicas como sede e fome. Neste estado ele está impotente para realizar a ação específica adequada para por fim a tensão interna. Quando se trata de adulto o estado de desamparo é o protótipo da situação traumática geradora de angustia.

Estamos a serviço da pulsão e do inconsciente. Como controlar está pulsão que toma conta? E como lidar com este mal estar, que a todo momento nos cobra, nos escraviza, nos força a seguir verdades que não concordamos e não aceitamos como verdades.
Quando contrariamos o desejo e a pulsão de vida, nos sentimos triste, angustiados e sem objetivo. De acordo com Laplanche e Pontalis (2001), “Pulsão de vida abrange não apenas as pulsões sexuais propriamente ditas, mas ainda as pulsões de autoconservação”.

O casal consegue, dentro de seus valores e tradições, construir uma vida nos Estados Unidos. Eles formam uma família, os filhos se vêem em conflito com cultura indiana de seus pais e a cultura americana que é onde eles nasceram e vivem.

Com o falecimento inesperado do marido, apesar do choque inicial, e da maneira como Ashima ficou sabendo, ela conseguiu lidar com a situação e retomar sua vida exatamente a partir de onde a abandonou na Índia. Ela volta a cantar. Como os filhos já estavam encaminhados, ela resolveu ficar uma parte do ano na Índia e a outra em companhia de seus filhos, fruto de um amor que surgiu a partir de toda uma história construída por esse casal, que apesar de todas as dificuldades seguiram em frente atrás de um desejo de ser livre.

A identidade feminina está presa social e culturalmente nos parâmetros do masculino. Para Anzieu (1992), a mulher tem sido encarada como um ser sem qualidade própria, ou seja, não possui outra qualidade senão a que lhe é dada a partir da referência masculina.


REFERÊNCIAS:

ANDRÉ, Serge. O Que Quer uma Mulher? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, 295p.

ANZIEU, Annie. A Mulher sem qualidade: Estudo Psicanalítico da feminilidade. São paulo: Casa do psicólogo, 1992, 134p.

FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. (1900). Rio de Janeiro: Imago, 2001. 614p. (Edição comemorativa 100 anos)

FREUD, Sigmund. Um estudo autobiográfico, inibições, sintomas e ansiedade, a questão da análise leiga e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976 (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud ;v. 20)

LACAN, Jaques. O Seminário – livro 5: As Formações do Inconsciente(1957-1958). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, 532p.

LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Baptiste. Vocabulário da Psicanálise. 4 ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 552 p.

NOME DE FAMÍLIA. Direção de Mira Nair, produção de Lydia Dean Pilcher e Mira Nair, roteiro de Sooni Taraporevala, baseado em livro de Jhumpa Lahiri. EUA / Índia: 20th Century Fox Film Corporation, 2006. (122 minutos), color. Legendado. Port.

SOLER, Colette. A Psicanálise na Civilização. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria Ltda, 1998, p. 223-253.

[1] SOLER, Colette. A Psicanálise na Civilização. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria Ltda, 1998, p. 223-253.